INFORMATIVO Nº 273
TÍTULO
Dano Moral e Direito à Imagem (Transcrições)
PROCESSO
RE - 215984
ARTIGO
Dano Moral e Direito à Imagem (Transcrições) RE 215.984-RJ* (v. Informativo 271) RELATOR : MIN. CARLOS VELLOSO Voto: Destaco do parecer da Procuradoria-Geral da República, às fls. 211/216, lavrado pela ilustre Subprocuradora-Geral, Dra. Helenita Caiado de Acioli: "(...) 3. No caso, parecem pertinentes as razões da irresignação. 4. A Constituição Federal assegura no art. 5º, inciso X, a inviolabilidade da imagem das pessoas e a indenização pelos danos materiais e morais decorrentes de sua violação. 5. Não se trata, evidentemente, de discutir aqui a cumulatividade do dano material com o dano moral, questão superada com o atual texto constitucional, nem de reexame de fatos ou provas, mas sim, definir o sentido e o alcance da norma maior, garantidora do direito de imagem e de reparação no caso de sua violação, uma vez que o acórdão recorrido entendeu que a publicação de fotografias da recorrente, por não ofender a sua reputação, não gerava reparação por danos morais. 6. Data maxima venia, a reparação do dano moral não exige necessariamente a ofensa à reputação daquele que tem sua foto publicada sem o seu consentimento. 7. O eminente Ministro Rafael Mayer ao relatar o RE 95.872, mesmo antes da nova Constituição, já afirmava: 'O dever de indenizar decorre da simples utilização de um direito personalíssimo, o da imagem' (in Jurisprudência Brasileira, vol. 95, p. 95)' 8. Na hipótese sub judice a recorrente, artista consagrada, teve sua fotografia publicada sem o seu expresso consentimento ou contratação, em violação à norma constitucional, que protege e garante o direito à própria imagem (CF/88, art. 5º, X). Sem dúvida, a imagem da atriz é um produto que lhe pertence e foi obtido ao longo de sua carreira, compõe seu patrimônio econômico e, não poderá ser utilizado sem a sua anuência, ou contrato, principalmente em revistas, com evidente cunho publicitário. Daí o constrangimento e o sentimento de revolta e indignação da recorrente a caracterizar o dano moral. 9. O dano moral envolve conceito inerente ao sentimento, sendo desnecessário que ofenda a reputação, como equivocadamente entendeu o v. acórdão recorrido. Existe, sim, uma agressão moral, se considerada a imagem como um dos direitos da personalidade, a ser compensada satisfatoriamente. 10. À propósito do tema, vale destacar o lúcido voto proferido no REsp nº 270.730, pela eminente Ministra NANCY ANDRIGHI do Superior Tribunal de Justiça, ao asseverar, in verbis: 'A amplitude de que se utilizou o legislador no art. 5º, inc. X da CF/88 deixou claro que a expressão 'moral', que qualifica o substantivo dano, não se restringe àquilo que é digno ou virtuoso de acordo com as regras da consciência social. É possível a concretização do dano moral, posto que a honra subjetiva tem termômetro próprio inerente a cada indivíduo. É o decoro, é o sentimento de auto-estima, de avaliação própria que possuem valoração individual, não se podendo negar esta dor de acordo com sentimentos alheios. A alma de cada um tem suas fragilidades próprias. Por isso, a sábia doutrina concebeu uma divisão no conceito de honorabilidade: honra objetiva, a opinião social, moral, profissional, religiosa que os outros têm sobre aquele indivíduo, e, honra subjetiva, a opinião que o indivíduo tem de si próprio. Uma vez vulnerado, por ato ilícito alheio, o limite valoração que exigimos de nós mesmos, surge o dever de compensar o sofrimento psíquico que o fato nos causar. É a norma jurídica incidindo sobre o acontecimento íntimo que se concretiza no mais recôndito da alma humana, mas o que o direito moderno sente orgulho de abarcar, pois somente uma compreensão madura pode ter direito reparável, com tamanha abstratividade.' 11. Por oportuno, registre-se que o mencionado acórdão restou assim ementado: 'Recurso Especial. Direito Processual Civil e Direito Civil. Publicação não autorizada de foto integrante de ensaio fotográfico contratado com revista especializada. Dano moral. Configuração. - É possível a concretização do dano moral independentemente da conotação média de moral, posto que a honra subjetiva tem termômetro próprio inerente a cada indivíduo. É o decoro, é o sentimento de auto-estima, de avaliação própria que possuem valoração individual, não se podendo negar esta dor de acordo com sentimentos alheios. - Tem o condão de violar o decoro, a exibição de imagem nua em publicação diversa daquela com quem se contratou, acarretando alcance também diverso, quando a vontade da pessoa que teve sua imagem exposta era a de exibí-la em ensaio fotográfico publicado em revista especializada, destinada a público seleto. - A publicação desautorizada de imagem exclusivamente destinada a certa revista, em veículo diverso do pretendido, atinge a honorabilidade da pessoa exposta, na medida em que experimenta o vexame de descumprir contrato em que se obrigou à exclusividade das fotos. - A publicação de imagem sem a exclusividade necessária ou em produto jornalístico que não é próprio para o contexto, acarreta a depreciação da imagem e, em razão de tal depreciação, a proprietária da imagem experimenta dor e sofrimento.' (REsp nº 270.730-RJ, Rel. emin. Ministra NANCY ANDRIGHI, in DJ de 07.5.01) 12. Destarte, sobressai na exegese do art. 5º, inciso X da Constituição de 1988, que o uso de fotografia sem autorização, no caso em apreço, gera não só o dever de reparar por danos materiais, como o de compensar por danos morais, considerando que são cumuláveis as duas indenizações, por violação ao direito de imagem, independentemente de ser afetada ou não a reputação da vítima. (...)". (fls. 212/216) Correto o parecer. O acórdão recorrido entendeu indevida a reparação por dano moral ao fundamento de que a recorrente não teria sofrido "nenhum abalo em sua reputação ou constrangimento moral pelo uso indevido das fotografias" (fl. 153). Todavia, a Constituição é expressa: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (C.F., art. 5º, X). É dizer, a Constituição não exige a ocorrência de ofensa à reputação na reparação do dano moral. Na verdade, o Tribunal a quo emprestou ao dano moral caráter restritivo, o que não se coaduna com a forma como a Constituição o trata, no inc. X do art. 5º. O que precisa ser dito é que, de regra, a publicação da fotografia de alguém, com intuito comercial ou não, causa desconforto, aborrecimento ou constrangimento ao fotografado, não importando o tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou desse constrangimento. Desde que ele exista, há o dano moral, que deve ser reparado, manda a Constituição (art. 5º, X). Anteriormente à Constituição de 1988, informa Humberto Theodoro Júnior, "mesmo quando se admitia a reparação do dano moral, a jurisprudência predominante negava sua cumulatividade com o dano material, ao pretexto de que havendo o ressarcimento de todos os efeitos patrimoniais nocivos do ato ilícito já estaria a vítima suficientemente reparada." Hoje, porém, acrescenta o mesmo autor, "em caráter muito mais amplo, está solidamente assentado, na doutrina e na jurisprudência, não só a plena reparabilidade do dano moral como sua perfeita cumulatividade com a indenização da lesão patrimonial. O estágio em que a orientação pretoriana repelia a cumulação, sob o pretexto de que a indenização do dano material excluiria a da lesão moral em face de um só evento ilícito, pode-se dizer que foi superada" (Humberto Theodoro Júnior, "O Dano Moral e sua Reparação", Rev. Forense, 351/83). No que toca à publicação de fotografias, sem o consentimento do fotografado, doutrina e jurisprudência são no sentido da ocorrência de dano moral que deve ser reparado. Leciona Yussef Said Cahali que, "em linha de princípio, a utilização de imagem constitui direito exclusivo e personalíssimo, inerente à reserva de governo sobre a própria pessoa, quer para dispor, como para impedir a liberação a terceiros, mediante paga ou não; a violação desse direito dá ensejo à correspondente indenização, seja perpetrada com intuito de propaganda lucrativa, seja para difamar". E acrescenta: "sob tal aspecto, é válido dizer-se, com Demongue, que 'le fait d'exposer le portrait d'une personne contre sa volonté peut donner lieu à indemnité'." E vai o ilustre autor ao caso específico: "Do mesmo modo, afirma-se, em reiterada jurisprudência, ser indenizável o dano causado pela reprodução não consentida da imagem da pessoa em material publicitário ou de natureza promocional de atividade especulativa" (Yussef Said Cahali, "Dano Moral", Ed. Rev. dos Tribs., 2a. ed., 1998, págs. 549 e 551). No RE 192.593-SP, Relator o Ministro Ilmar Galvão, decidiu o Supremo Tribunal Federal: "EMENTA: CONSTITUCIONAL. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO CUMULADA COM O DANO MATERIAL. ARTIGO 5º, INCISOS V E X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A nova Carta da República conferiu ao dano moral status constitucional ao assegurar, nos dispositivos sob referência, a sua indenização quando decorrente de agravo à honra e à imagem ou de violação à intimidade e à vida privada. A indenização por dano moral é admitida de maneira acumulada com o dano material, uma vez que têm pressupostos próprios, passando pelo arbítrio judicial tanto na sua aferição quanto na sua quantificação. De outra parte, se o acórdão recorrido teve por comprovada a lesão de ordem moral, que envolve conceito inerente ao sentimento, entendendo reclamar ela indenização cumulável com a decorrente de dano material, esse aspecto não cabe ser analisado na instância extraordinária, tendo em vista que seria necessário adentrar-se no exame de parâmetros da razoabilidade, por via da aferição de fato, insuscetível de ser feita na via do recurso extraordinário. Recurso não conhecido." No julgamento do RE 172.720-RJ, Relator o Ministro Marco Aurélio, a 2ª Turma decidiu: "INDENIZAÇÃO - DANO MORAL - EXTRAVIO DE MALA EM VIAGEM AÉREA - CONVENÇÃO DE VARSÓVIA - OBSERVAÇÃO MITIGADA - CONSTITUIÇÃO FEDERAL - SUPREMACIA. O fato de a Convenção de Varsóvia revelar, como regra, a indenização tarifada por danos materiais não exclui a relativa aos danos morais. Configurados esses pelo sentimento de desconforto, de constrangimento, aborrecimento e humilhação decorrentes do extravio de mala, cumpre observar a Carta Política da República - incisos V e X do artigo 5º, no que se sobrepõe a tratados e convenções ratificados pelo Brasil." O RE, pois, é de ser conhecido e provido, a fim de que seja a recorrida condenada a reparar o dano moral, arbitrada a indenização no quantum fixado para a reparação do dano material, 21,51 salários mínimos, mais 10% (dez por cento) de honorários advocatícios. Nestes termos, conheço do recurso e dou-lhe provimento. * acórdão pendente de publicação
Íntegra do Informativo 273
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